Para poder penetrar no labirinto, percorrê-lo, faz-se necessário saber seguir, com os passos, a música dos seus meandros. Em lugar de andar, é preciso saber dançar. O espaço da vertigem é o espaço dançado: ou o acompanhamos, ou caímos no vazio. Para dominar o labirinto, é preciso voar, mas antes de aprender a voar, é necessário aprender a dançar. O labirinto implica o aprendizado da dança (JACQUES, 2001:85).
Já nos anos 1960, os surrealistas realizavam perambulações pela cidade, o que eles chamavam de “acaso objetivo”, ou a deriva urbana dos situacionistas, que seria perder-se propositalmente na cidade para praticá-la vivenciá-la. O ato de experienciar a cidade imprime no corpo as percepções que teve dela, quanto mais os sentidos estiverem abertos às percepções, maior a apreensão desse espaço, o que tem o nome de corpografia urbana, que Jaques (2006, p.119) classifica como “a memória urbana no corpo, o registro de sua experiência da cidade”. Para essa percepção a cidade precisa ser tateada e sentida, através de seus cheiros e sons, e o olhar compõe experiência, na contramão da experiência de viver a cidade somente a partir da visão, o que revela uma percepção superficial de todo o conjunto . Seria a prática labiríntica da cidade.
Teseu e seus companheiros, no mito do labirinto, fazem uma dança que imita os caminhos sinuosos do labirinto de Cnossos, dança ensinada por Dédalo, o arquiteto do labirinto. De forma análoga, nas favelas do Rio de Janeiro dança-se o samba, que parece ter uma relação mimética com o ritmo das quebradas e meandros dos becos da favela.
O samba dançado seria, portanto, uma representação do percurso das favelas, a expressão da experiência espacial labiríntica que contagia os movimentos do corpo. Quem dança o samba repete a experiência física de percorrer os meandros das favelas; esse espaço confuso, difícil de ser apreendido, encontra, assim, sua melhor representação (JACQUES, 2001:67).
A materialidade do espaço possui uma musicalidade, determinada pela forma que esse apresenta. A palavra ritmo pode servir tanto para designar a ordenação de elementos no espaço, ou do próprio espaço, quanto para designar a cadência de uma música. O espaço mais ritmado é também mais musical, portanto mais fácil de ser apreendido através da escuta do que da visão, mais prático se for dançado do que andado.
A dança condensa a música e dilui a arquitetura. A dança transforma o espaço em movimento: temporaliza o espaço. A música, disciplina temporal, e a arquitetura, disciplina espacial, se casam na dança, disciplina do movimento.
O espaço labiríntico é o espaço em movimento (JACQUES, 2001:85).
Todo e qualquer espaço tem a propriedade de formar e transforma o corpo de uma pessoa que o pratica. Acredita-se que seria interessante um estudo voltado à corporalidade de pessoas com deficiência visual ou auditiva. De que maneira essas pessoas percebem o mundo e quão sensíveis a ele elas são? Qual a corparalidade dessas pessoas?
A dança, como já mencionado na introdução deste trabalho, é uma atividade multisensorial que exige uma percepção mais aguçada por parte do corpo dançante, e se nessa dança é transmitido, além de um texto e um tema, informações sobre o lugar e a cultura de maneira direta ou indireta, por meio de elementos presentes no corpo de quem dança, é pertinente que se estude o espaço gerado por um corpo enquanto dança. Assim, partir desse espaço é possível a utilização do mesmo para a aplicação em experiências corporais que reportem à dança geradora do espaço.
Referência bibliográfica:
JACQUES, Paola Berenstein. Estética da Ginga – A arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra/RIOARTE, 2001.
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